quinta-feira, 9 de julho de 2009

O menino nada bobo

Recordo-me que aos meus 9 anos de idade resolvi produzir um gibi e ficar rico.

Para tal empreitada, peguei algumas folhas de sulfite em branco e corteia-as ao meio imitando o formato dos gibis da Turna da Mônica (até então minha maior referência). Usei cola branca para transformar o punhado de papeis num mini caderno com capa e contra-capa. Assim comecei a desenhar nele aquilo que poderia ter sido a revolução do mundo das HQ´s.

Até hoje lembro-me do título: "O menino bobo". Era a saga do garoto que vivia levando bronca dos pais por fazer coisas erradas. Obviamente, os desenhos tinham traços infantis e não havia os recursos modernos que dispomos atualmente. Lápis de cor, giz de cera, canetas hidrográficas coloridas e minha criatividade estampariam vinte páginas de sulfite branco.

Os quadrinhos eram feitos sem a preocupação com a diagramação ou demais regras técnicas. Era pura expressão artística despejada diretamente no papel. Por vezes, os balõezinhos de diálogos eram incapazes de abrigar quantidade de letras que expressavam os eloquentes diálogos entre os personagens: "Fez a lição de casa?" "Não papai" "Ora, então você é bobo e feio!" "Buááááá!"

Foi um trabalho compenetrado e extenuante apenas interrompido pela mamãe para o lanche da tarde recheado de bolinhos de chuva que deixaram suas marcas de gordura em todas as páginas da obra.

Finalizado o gibi, encarreguei-me de levá-lo à escola onde anunciei: "Estou vendendo um gibi e custa o valor de um bauru na cantina!" A mãe do Fabinho, sempre dava uma boa grana pra ele gastar com o que quisesse na hora do recreio, portanto, foi ele o meu primeiro leitor.

Enquanto eu embolsava o troco e saboreava um misto-quente, mais barato que o bauru (que tinha uma fatia de tomate a mais), o Fabinho me perguntava: "O que tá escrito aqui? Sua letra é muito feia!" Ao que eu respondia: "Deixa eu ver, xi também não entendo ela, melhor perguntar pro Andrezinho pois a estorinha é sobre ele."

De fato, a estória era sobre o André Ramos que regularmente levava estrondosas broncas dos pais na frente de todos. Na minha ótica de criança o via como um menino ruim que desobedecia aos pais e professores e por isso era duramente repreendido. Não sei que fim deu o Andrezinho, como ele cresceu, se conseguiu superar seus traumas, seus complexos, seus medos e paradigmas. Porém, hoje eu sei que tudo que via naquele comportamento rebelde era reflexo de sua conturbada criação.

Nesta semana, fui convidado a escrever algo sobre a importância da atitude dos pais na formação da personalidade de uma criança. Um desafio complicado pois é algo totalmente novo que terei de transformar em um livro. Algo tão megalomaníaco como aquele pretensioso gibi que por capricho do destino, ficou apenas na memória do Fabinho, que não curtiu a estória e não me deixou rico.

2 comentários:

  1. Paulo, que barato!
    Lendo o seu texto do seu blog eu voltei na minha infância também.
    Mais ou menos com 9 anos eu inventei o jornal Xeretinha. Eu achava que revolucionaria o mundo com ele, que seria o meio onde eu pudesse denunciar e resolver tudo de errado que existe no mundo.
    Eu cresci, fiz jornalismo e desiludida com a profissão, que paga pouco e não resolve nenhum problema do mundo, pelo contrário, resolvi mudar de área e me tornei analista de sistemas.
    Acho que com seu gibi você queria ajudar o André.
    Você ainda tem alguma cópia?
    Eu ainda tenho todas as edições do Jornal Xeretinha!
    Beijão!

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  2. Olha só, não tenho nenhuma cópia! Esse jornal Xeretinha deve ser muuuuuuito interessante hein!?

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